domingo, 27 de fevereiro de 2011

INSENSATO CORAÇÃO OU INSENSATA INFORMAÇÃO?

Em primeiro lugar gostaria de dizer que é lamentável precisar publicar um tópico como este. Mas, depois do que estamos vendo na novela global "Insensato Coração", ficou difícil não protestar!

Como muitos sabem, "Insensato Coração" traz em seu enredo a história da personagem "Carolina Miranda", interpretada pela atriz Camila Pitanga. Carol, como está sendo chamada, é uma alta executiva, bem sucedida e que sofre de endometriose. Aliás, não creio que "sofrimento" seja uma palavra apropriada neste caso.

Inicialmente, quando soubemos que a Globo traria em sua trama uma personagem com endometriose, ficamos exultantes! Pensamos: "Puxa, até que enfim vão falar sobre a nossa doença, nosso sofrimento, nossas dores, nossas problemas com a infertilidade." Sendo a endometriose uma doença pouco conhecida, seria ótimo tê-la como tema de uma novela global. Mas....a alegria durou pouco.

Antes mesmo que a novela estreiasse, ficamos surpresas com algumas afirmações feitas pela atriz, Camila Pitanga, na reportagem do Jornal "O Dia Online", de 15/01/2011. Referindo-se à endometriose, ela disse:

(..)“Conheci mulheres com a doença, mas depois que elas têm filho o problema passa. Tenho cenas em que Carol fala das dores”(...)

Ao lermos esta afirmação, sentimos a necessidade de escrever a postagem "Verdades e Mentiras sobre a Endometriose", pois é um grande mito e equívoco afirmar que a endometriose "passa" depois que a mulher tem um filho. A informação correta é que após a gravidez, uma mulher com endometriose tem grandes chances de retorno da doença, especialmente se não fizer nenhum tratamento hormonal pós-gestacional para controle da mesma. Isto acontece porque ainda não se conhecem maneiras de se evitar a recidiva da doença.

Apesar deste equívoco, aguardamos a estréia da novela na esperança de que o autor conseguisse retratar e informar de maneira correta como é o dia a dia de uma mulher com endometriose.

Entretanto, para nossa surpresa, nos deparamos com uma personagem que está muito longe de ser portadora de endometriose. O único sintoma que a Carol apresenta para justificar a doença é o fato de não poder ter filhos.

Está certo! A infertilidade, de fato, é um dos sintomas e também consequência da endometriose. Porém, muitas mulheres tem chances de engravidar; algumas naturalmente, outras precisarão das técnicas de Reprodução Assistida, mas inegavelmente a maioria precisará, antes, de tratamento para a endometriose. A Carol, na novela, não parece fazer nenhum tipo de tratamento, apesar de se dizer portadora da doença.

Além disto, quem convive com a doença ou simplesmente procura se informar, sabe que um dos principais sintomas da endometriose são as dores/cólicas intensas. São raros os casos de endometriose em que não existam dores.

A dor pode ser tão intensa que impede a mulher de realizar suas atividades do dia a dia, como trabalhar, estudar, cuidar da casa e etc. Algumas vezes elas também sentem dores nas relações sexuais, além de dores para evacuar ou urinar.

Enfim, a dor é um dos principais sintomas da endometriose, mas totalmente ignorado pela personagem "Carol". Ela sempre aparece bem, feliz e ativa. Nunca falta ao trabalho, não reclama de cólicas, não visita o ginecologista há um ano e, vejam só, está menstruando durante todo este tempo!

Mas que perigo isto! Oras, com um pouquinho mais de informação, o criador desta personagem, saberia que uma mulher com endometriose NÃO deve menstruar, a menos que esteja tentando engravidar, o que parece não ser o caso da Carol!

Pois bem, para completar as "insensatas informações" passadas pela novela, fomos surpreendidas pelo diálogo entre Carol e sua ginecologista, Sônia, nas cenas exibidas neste sábado, dia 26/02.

Carol descobre que está grávida e indignada pergunta à médica como isto foi acontecer. Achamos importante transcrever o diálogo aqui, pois sentimos a necessidade de corrigir a informação totalmente equivocada que foi passada aos telespectadores a respeito da endometriose, vejam:

Carol: - (...) eu sempre achei que eu não pudesse ter filhos, eu sempre convivi minha vida inteira com isto. Todos os médicos que eu consultei, e não foram poucos, você sabe bem, todos me disseram que com a minha endometriose eu só poderia engravidar se fizesse Fertilização In Vitro, como é que eu poderia esperar uma coisa destas?

Sônia: - Carol, os médicos estão com a razão! Eu também te disse isto! E se aparecer uma outra paciente aqui nas mesmas condições, eu vou dizer o mesmo. Acontece que no seu caso é muito raro engravidar, mas aconteceu!

Carol: - Mas como, Sônia? O que que mudou?

Sônia: - Às vezes o quadro regride! E você ficou muito tempo sem vir aqui! Deve ter acontecido alguma alteração (...)

O quadro regride? Como assim? Pelo que dá para entender, a Carol passou um ano menstruando e a doença regrediu, por isto ela engravidou! Não, não! Isto está totalmente errado. A endometriose é uma doença PROGRESSIVA. Sem tratamento, ela avança, piora e dificulta ainda mais a gravidez.

Nossa preocupação, enquanto grupo que se dedica a informar sobre esta doença, é que as portadoras, e também seus familiares, concluam que a endometriose não é uma doença séria e não precisa de tratamento. Mas, é justamente ao contrário!

A endometriose é muito séria, requer cuidados, tratamento, cirurgia e as portadoras precisam de apoio e carinho dos familiares e dos médicos para conseguir lutar contra os cruéis sintomas desta doença.

Nosso grupo, EndoAmigas de São Paulo, e outros grupos de apoio às portadoras, lamenta muito a maneira como a novela está informando sobre a endometriose. Muitas aqui passam horas estudando e conhecendo a doença, a fim de que possam transmitir as informações corretas e auxiliar várias portadoras. Lutamos para que a doença seja tratada com a devida importância, e gostaríamos de pedir aos responsáveis por esta novela para se informarem melhor, ao invés de transmitirem tantas asneiras a respeito da nossa doença!


Fiquem atentos, não sejam "insensatos"! E se precisarem, estamos aqui para ajudar!

EndoAmigas de São Paulo

Confiram a cena neste link:

sábado, 26 de fevereiro de 2011

EU TENHO ENDOMETRIOSE, E AGORA?

Olá, meninas!

Hoje vamos tentar responder àquela pergunta que todas nós fizemos quando descobrimos nosso diagnóstico: "Eu tenho endometriose, e agora?"

É fato que todo diagnóstico de uma doença crônica é doloroso e difícil. Com a endometriose não é diferente. Descobrir-se "portadora de endometriose" pode ser uma das experiências mais frustrantes e temerosas na vida de uma mulher.

De acordo com a psiquiatra suíça, Elizabeth Kübler-Ross, todo portador de doença crônica passa por cinco estágios comportamentais e/ou psicológicos no momento em que recebe o diagnóstico e o prognóstico. São eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Seguindo o raciocínio desta médica, podemos dizer que a portadora de endometriose também vivencia cada uma destas fases, sendo particularmente difícil atingir o último estágio: a "aceitação" da doença.

É importante falarmos sobre este assunto, pois isto pode nos ajudar a compreender nossos estranhos sentimentos e comportamentos que começaram a surgir logo após a confirmação do diagnóstico.

Em termos psicológicos, parece que a portadora de endometriose sofre uma "ruptura" em sua vida, no seu equilíbrio emocional e comportamental. É como se houvesse, no tempo cronológico, um "A.E." e um "D.E." -  Antes da Endometriose e Depois da Endometriose. Deixamos de ser o que éramos para viver de acordo com as limitações da doença. Em outras palavras, muitas portadoras deixam para trás seus projetos, sua carreira profissional, desejos, sonhos e passam a viver em função da doença, transformando-se completamente, tendo comportamentos e sentimentos que nunca experimentaram antes, que são estranhos para elas e para os outros que a cercam.

Muitas podem nem saber, mas na verdade estão vivenciando os estágios que falamos acima. De acordo com a psiquiatra, podemos vivenciar todas as etapas, sem uma ordem determinada, ou pelo menos duas delas. Vamos ver?

1º estágio: Choque e Negação

Você se lembra qual foi sua reação quando ouviu pela primeira vez que tinha endometriose? Eu acho que é unâmine: todas levamos um "choque" e, em seguida, perguntamos: "endome...o quê!?!"
Este susto inicial é natural e até esperado, visto que a maioria de nós nem sequer tinha ouvido falar sobre esta doença. Porém, depois que começamos a compreender o que é a endometriose, ouvir sobre o tratamento e o prognóstico, passamos a tentar negá-la, dizendo frases como: "deve haver algum engano, doutor", "nenhuma mulher na minha família teve endometriose, com certeza não é isto que tenho", "meu médico anterior nunca me falou que eu pudesse ter esta doença", "sempre fiz exames de ultrassom e eram todos normais", "basta tomar anticoncepcional e tudo ficará bem" e por aí vai. É claro que a negação faz parte, mas negar a doença por muito tempo pode ser prejudicial, pois a endometriose precisa ser tratada o quanto antes.

2º estágio: Raiva

E que raiva! Descobrir-se portadora de endometriose é como um "tapa na cara". Geralmente, após o susto do diagnóstico, vem aquele momento de buscar todas as informações possíveis. Muitas portadoras passam horas e horas na internet procurando aprender sobre esta doença tão enigmática. À medida em que vão ganhando conhecimento, também começam a perceber as reais e graves consequências da endometriose e algumas meninas passam a reagir com raiva. Raiva de si mesmas, dos médicos anteriores, e até de Deus. E cada vez que sentem dores, ou que se veem incapacitadas de trabalhar, ou ainda quando sofrem com os efeitos colaterais das medicações, a raiva vai aumentando cada vez mais. E elas se perguntam: "Porque comigo?" "Qual pecado cometi para merecer esta doença?" "Será que Deus não me acha capaz de ser mãe?". E a situação só piora quando, além de todo conflito interno vivenciado, precisam lidar com parentes e amigos que não sabem o que é endometriose e tentam amenizar ou diminuir a gravidade do problema. É uma fase muito difícil para todas nós!

3º estágio: Barganha / Negociação

Depois de se tornar "expert" em endometriose e deixar a raiva diminuir, a portadora começa a tentar "negociar" a cura. Nesta fase são comuns as promessas, tentativas de acordos e barganhas com Deus. 
No caso da endometriose, isto é muito frequente, pois a doença já vem com um veredicto cruel: "não tem cura". Além disto, não é raro o diagnóstico chegar tardiamente, quando a doença já está em estágio avançado, trazendo consigo muitos outros "veredictos cruéis", como: dores constantes, dispareunia e, a temida, infertilidade.
As barganhas e negociações giram, então, em torno daquilo que a portadora mais deseja: ficar sem dores, voltar a ser uma mulher produtiva, boa esposa, boa mãe e, para as que enfrentam a infertilidade; engravidar naturalmente. A fé, neste caso, é benéfica, deve ser cultivada e vivenciada, pois auxilia no tratamento. No entanto, não pode ser exagerada, a ponto de fazer a portadora esquecer que tem a doença e não buscar ou dar continuidade ao seu tratamento, acreditando que Deus irá curá-la, sem que você precise fazer nenhum tratamento ou ir ao médico, pois fez um acordo com Ele. Não podemos nos esquecer que a endometriose é uma doença progressiva. Todas as vezes que o tratamento é interrompido, a doença volta pior.

4º estágio: Depressão 

Inegavelmente, este é o estágio mais difícil de ser superado. Mesmo para aquelas mulheres que alcançam sucesso no tratamento da doença; isto é, conseguem controlar a dor ou engravidar; o sentimento de solidão e desamparo predominam. Afinal, nunca se está completamente livre de uma doença que não tem cura. E se sentir presa à endometriose é muito deprimente. Não conseguimos nos sentir mulheres "completas", a imperfeição está sempre nos rondando, como se tivéssemos sido "mal formadas" deste o ventre da nossa mãe. Isto acontece porque as consequências desta doença não envolvem apenas os sintomas físicos, mas também a qualidade de vida, o convívio social, a vida conjugal e familiar. A depressão também aparece quando cansamos de lutar. Quando após várias cirurgias, tentativas de inseminação ou FIV e muitos Reais gastos, as dores voltam com toda força e a gravidez insiste em não acontecer. É neste momento em que dizemos:
"Eu não consigo mais enfrentar isto", "O que será de mim no futuro", "Meu casamento vai acabar por causa desta doença", "Nunca poderei ser mãe", "Eu não aguento mais sentir dor", "Vou liberar meu marido para ter filhos com outra mulher"... A depressão é um estágio complicado que merece toda atenção por parte dos médicos e familiares, pois neste momento as portadoras simplesmente "perdem as esperanças" e "se entregam" à doença, boicotando o tratamento, o que faz a doença progredir ainda mais.

5º estágio: Aceitação

Nesta fase, as portadoras compreendem que nada poderão fazer para modificar o diagnóstico de endometriose, mas aprendem que podem conviver bem com a doença.
Ter endometriose é saber que estamos diante de uma doença complexa e desconhecida; é compreender que precisaremos de cuidados constantes, que faremos muitos exames constrangedores, visitaremos muitas vezes nossos ginecologistas e que seremos muito mais cuidadosas com nossa saúde, tanto física, quanto psíquica. Este estágio traz muitos benefícios, pois é neste momento que a portadora busca ajuda psicológica e procura tratamentos alternativos que só lhe trarão benefícios. Além disto, quando aceitamos a doença, conseguimos lidar melhor com os efeitos colaterais do tratamento, com o preparo para a cirurgia e com as dores que aparecem. O sistema imunológico também se fortalece, o que contribui para uma melhora dos sintomas. Para as mulheres que não conseguem engravidar, aceitar esta condição, pode ajudá-las a vislumbrar outras possibilidades de serem mães, como por exemplo, a adoção. No fundo, aceitar a endometriose é tentar encontrar a paz mesmo diante de uma doença tão avassaladora.

E, para finalizar, junto com a aceitação, vem também o momento de "assumir" a endometriose. Quer dizer, depois de conhecer a doença, vivenciá-la, submeter-se aos exames, cirurgias e às tentativas de engravidar, percebemos que não podemos nos esconder, temos que nos unir e lutar pela divulgação da doença, a fim de que outras mulheres possam ser diagnosticadas mais cedo e tenham mais chances de sucesso com o tratamento!

Este texto, aliás, é fruto da nossa união, do nosso desejo mútuo de levar apoio, informação e auxílio a todas as mulheres que sofrem com esta doença. Sintam-se todas convidadas a fazer parte desta nossa grande família!

E lembrem-se:

"O sofrimento é difícil de suportar, mas abriga em seu seio a disciplina, a instrução e inúmeras possibilidades, que não só nos tornam mais nobres, como também nos aperfeiçoam para ajudarmos a outros." (Devocional de Bolso: Mananciais no Deserto)

Luciana T. Golegã Diamante
Silvia Beatriz Innocêncio